segunda-feira, dezembro 03, 2007

Erros e acertos

A vida passa diante de nossos olhos. Como se fosse o placar de um jogo, contamos nossos erros e acertos ao longo dela.É disso que consiste a vida: erros e acertos. Aprendemos com os erros, e nos motivamos a viver com a possibilidade de acertar. Duas coisas tão distintas e ao mesmo tempo tão próximas.

Era sobre isso que Josias pensava, estirado na sala.

Um pequeno fio de sangue, saía do lado direito de seu abdômen.A vista estava ficando embaraçada e o apartamento frio e vazio.Deitado, moribundo e pálido, Josias pensava sobre seus erros e acertos.

Antes daquele momento, ele tinha uma visão equivocada de sua vida. Achava que era uma pessoa adorada por todos, cheio de amigos, sonhos e felicidade. Mas deitado, só conseguia pensar em alguns amigos, no seu único sonho, nos seus pais e no cara que entrou no apartamento e atirou em Josias sem motivo algum.Pensava também, sobre seus erros e acertos.Eu gostaria de falar um pouco sobre isso.


Alguns amigos...

André, Mateus, Fábio e Josias. Grandes amigos. Cúmplices de todas suas atitudes. Apesar de todos terem uma família, a amizade deles era como se fosse uma segunda.Quando eram vistos sozinhos , as pessoas chegavam a estranhar. Como toda amizade, num determinado ponto de suas vidas, foram distanciando-se e encontrando-se cada vez menos.Agora, ver os quatro juntos é que parecia estranho.

Josias não gostava disso. Falou durante anos, que a amizade deles não acabaria tão fácil, e que eles dariam um jeito de se ver.Sentiu-se impotente, percebendo que cada um tomava um rumo diferente, e o rumo da amizade estava indo pro espaço.

Precisava fazer alguma coisa. Sabia que uma amizade não necessita sempre de presença física, mas queria fazer com que pelo menos tivessem um motivo para se encontrar.Afinal, eles cresceram juntos, tomaram porres juntos, jogaram num mesmo time de futebol. Queria mantê-los em sua vida, apresentá-los para sua mulher e seus filhos.


O único sonho...

Josias, com 25 anos já tinha ganho um bom dinheiro. Seu pai tinha alguns apartamentos e outros empreendimentos imobiliários, e quando seu filho único completou 18 anos, decidiu dar alguns imóveis para ele administrar. Josias ganhou 3 apartamentos e um terreno bem localizado. Vendeu um apartamento e conseguiu um ótimo preço.Com o dinheiro, começou a construir uma casa com um design moderno, que André (que se formou em arquitetura), havia desenhado. Em dois anos, o terreno valorizou absurdamente, e a linda casa valia agora 10 vezes mais do que antes. Josias vendeu-a e comprou outros apartamentos. Alugou alguns e revendeu outros por preços muito mais altos. Tinha o talento do pai. Vivia com o dinheiro do aluguel, que era mais do que suficiente.Enquanto isso, via sua conta milionária no banco crescer com os juros.

Como tinha a grana dos aluguéis todo o mês, ele não precisava trabalhar e estava cansado disso. Perdia apenas alguns dias, olhando e comprando apartamentos, mas e no resto? Foi aí que viu a chance de unir os amigos.Passou a ser seu único sonho: ter algo que gostasse de fazer, e que unisse seus amigos, mantendo-os sempre juntos.

Alguns meses depois, pediu para que os 3 viessem para a cidade, e os levou num bar. O bar ainda não tinha sido aberto, e todos estranharam. Josias disse que era amigo do dono, e eles ficaram por ali tomando cerveja. Conversaram sobre o andamento de suas vidas. Era incrível a maneira com que todos se deram bem. André, apesar de jovem, já era visto como um arquiteto inovador, com idéias modernas e sofisticadas. Fábio após alguns meses num escritório de contabilidade, foi convidado para ser sócio , deste escritório que cuidava de contas gordas de várias empresas . Mateus abriu uma fábrica de calçados, e em pouco tempo já tinha uma avantajada parceria com uma grande multinacional do ramo.
Josias levantou-se, e disse que gostaria de dizer algumas palavras:


-Prezados amigos... os rumos que tomamos, as escolhas que fizemos, acabaram nos distanciando.Apenas fisicamente, porque ainda considero, e sei que é um sentimento mútuo, vocês como se fossem meus irmãos. Gostaria de propor, um negócio a vocês.

Eles consentiram, e Josias continuou:

-Este lugar, que nós estamos agora, é excelente para um bar.Sei disso porque conheço esse tipo de coisa. Conheço tão bem, que resolvi comprá-lo.Comprei e montei isso que vocês estão vendo agora. E gostaria, em nome da nossa amizade, de dar 25% para cada um, e esse negócio será nosso. Eu tenho mais tempo que vocês e ainda moro na cidade. Me dispobilizo a ficar aqui e tomar conta, na maior parte do tempo. Vocês vêm para ajudar, e todo mês nos reunimos para ver como andam as coisas, ainda aproveitamos para sentar e conversar.

Aquilo foi muita informação, e os 3 acabaram demorando para assimilar. Mas depois ficaram eufóricos com a idéia. Aceitaram com a condição de que cada um iria comprar sua parte, para ser justo.

Josias adorava a possibilidade de ter um bar. Adorava o ambiente desses lugares. Pessoas conversando, fumando, tomando uma cerveja e descontraindo-se de mais um dia de trabalho ou de uma semana longa. Conversando sobre mulheres,homens, futebol, política, filosofia ou qualquer outra coisa. Essa era a principal paixão dele. Conversas. Principalmente as conversas de bar.

O sucesso parece que lhes rondava. Não demorou muito para o bar dar certo. As pessoas gostavam de ir lá para conversar e ouvir blues ou jazz. Adoravam o fato do dono, sentar e conversar em algumas mesas, fazer brindes à coisas alegres da vida. O bar ficou sem nome por algum tempo, mas acabou virando o Bar Lobo da Estepe. Os 4 sempre cantavam e tocavam essa música desde que se conheceram, e também haviam lido o livro de Hermann Hesse.

Josias as vezes subia no balcão e falava como um poeta, sobre a vida. Foi apelidado de Lobão(como todo dono de bar tinha que ter um apelido), em alusão ao nome do bar e pelas palavras que dizia e seu estilo boêmio. Era um ótimo ambiente e as pessoas adoravam o bar dos 4 jovens amigos. Josias adorava também. Parece que era um ambiente feito para ele. Como se tivesse vivido uma vida boêmia em outra encarnação, conversar e conhecer pessoas no bar era sua alegria e sua vida. E ainda via seus amigos toda a semana. Eles também se apaixonaram pelo que o bar se tornou, e largavam sua cidade e seus negócios todo final de semana, para ir ao Lobo da Estepe.

O bar estava indo bem, e eles estavam se encontrando. Era o que Josias tinha planejado. Conheceu a mulher de sua vida, e estava prestes a formar uma família. No momento em que pudesse apresentar seus amigos para os filhos, consideraria finalizado o objetivo.Quando pudesse dizer "ei, meu(minha) filho(a), estes são meus melhores amigos, eles foram meu amparo durante toda minha vida, e agora farão parte da sua. Você também terá amigos assim...até o fim".


Seus pais...

Os pais de Josias eram pessoas compreensíveis. Apesar de discordarem muito do que o filho fazia, tentavam apoiá-lo e compreendê-lo em suas atitudes. Josias à beira da morte, se arrependia de não ter conversado o suficiente com eles. Dedicou-se tanto a outras coisas, que não parecia ser íntimo dos próprios pais.

Graças ao seu pai, era uma pessoa responsável, que acreditava sempre no lado bom das pessoas, tinha um excelente caráter. Sabia que essas eram as caractarísticas mais marcantes e positivas do pai, mas parecia não o conhecer realmente. Não sabia quem foram seus amigos, quais eram seus medos, nem sabia as merdas que ele aprontou na adolescência.

Graças a sua mãe, era alegre e não desistia. Sua mãe lhe ensinou a ser assim, mas Josias sintia que faltava algo. Ouviu muito e aprendeu muito com ela, mas lhe falou pouco da sua vida. Ela não sabia realmente quais eram seus planos e as decepções que ele teve ao longo da vida.


O cara que entrou no apartamento, e atirou em Josias sem motivo algum...

Na verdade, qualquer ação tem um motivo. Não existe essa, de alguém fazer alguma coisa simplesmente por fazer.

Kléber era um cara invejoso e detestava Josias. Detestava sua bondade, sua alegria e sua facilidade de fazer amigos. Detestava seu bar, suas conversas e seus amigos. Detestava o fato de Josias ter casado com a mulher que amava.

Ficou perdido sem aquela mulher. Sua vida não fazia sentido sem a possibilidade de tê-la. Ficou bêbado, decidiu pegar sua Magnum e matar Josias. Queria acabar com tudo que ele tinha.

Josias na verdade nem sabia quem Kléber era. Por isso não entendeu quando entrou na sala e viu aquela pessoa apontando uma arma:

-Calma rapaz...Você pode levar o que você quiser.

-Eu gostaria de levar essa sua vida feliz e perfeita. Não posso tê-la mas posso tirá-la de ti.

Acertou um tiro no barriga de Josias e saiu. Sabia que ele iria morrer. Kleber era médico e havia acertado o fígado de Josias...


Erros e acertos...

Josias sempre foi uma pessoa boa. Nunca agrediu ninguém. Acreditou nas pessoas, mesmo que elas já o tivessem traído. Foi fiel a pessoa que amou. Foi fiel aos seus amigos.

Era tarde demais para reavaliar sua vida. Gostaria de ter conversado mais com seus pais. Gostaria de ter dito que os amava. Gostaria de ter aproveitado mais a vida. Queria ter visto coisas novas, diferentes. Ter feito algo útil pelas pessoas. Queria ter viajado com seus 3 amigos, para a América do Sul, para tocar violão e ganhar esmolas nas praças das grandes cidade. Queria ter visto seu filho nascer. Queria dar um nome para ele e ensiná-lo a jogar futebol. Queria cantar lobo da estepe para ele dormir. Queria chegar aos 80 anos, e sentar numa mesa com Mateus, André e Fábio.Para que eles conversassem sobre todas as coisas boas que eles fizeram. Sobre os bons e maus momentos. Sobre o bar. Sobre sua amizade. Sobre suas vidas, seus erros e acertos...


...

Num domingo de sol, Fábio,Mateus, André e Mariana(mulher de Josias, que estava grávida) e os pais de Josias, olhavam a imensidão do mar. Aos poucos, as cinzas de Josias iam caindo e desaparecendo com o vento. Ele sempre quis isso. Não queria que as pessoas fossem ao seu enterro, chorassem e voltassem a sua vida normal. Queria que apenas as pessoas que ele amou, participassem de um momento realmente sincero. Gostaria de fazer parte do mar. Qualquer hora que um deles estivesse em algum lugar, numa praia, ele de alguma forma estaria lá. Faria parte daquela imensidão azul.

Fábio puxou o violão e começaram a cantar Lobo da Estepe. Uma rajada de vento, dispersou de vez as cinzas de Josias. Era uma brisa que parecia acompanhar o doce som do violão e a voz de todos. Era Josias, dando seu último adeus. Ele estava tranquilo. Seu filho se orgulharia de quem ele foi. Aprenderia a tocar aquela música. Tomaria banho de mar, e saberia que seu pai, de alguma maneira estava presente. Adoraria conversar. Seria inteligente e acreditaria na bondade dos outros. Aprenderia com os erros, e viveria na expectativa de acertar.




by escritor da zona

1 Comments:

Blogger nikieseuboné. said...

o loko magrão....deu um arrepau no piu agora...credo....
mas boa...boa!!

12/08/2007 5:27 PM  

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