sexta-feira, maio 30, 2008

A mesma merda de sempre

- Hey, escute o que eu estou falando. Enquanto eu acho que assim está certo, assim será feito, e pronto. Quando eu achar que tua cabeça infeliz possa fazer algo melhor, você fará.

Baixou a cabeça e foi para sua mesa. João Antunes, o cara da seção de cobranças, trabalhador infeliz, filho da puta.

Sentou e estudou alguns balanços, contas. Porque as coisas têm que funcionar assim? Ele estava sentado naquele escritório idiota, numa cadeira idiota, sendo comandado por um perfeito idiota, desempenhando papel de idiota.

Teve vontade de mandar a merda. Resolveu esfriar a cabeça. Nada que um bom café não resolva. Pegou sua xícara, encardida com várias manchas de café, que escorriam pelos lados, e foi para o refeitório. Uma mulher do setor de marketing, estava sentada lendo O Segredo. Ficou puto da cara, com esses livros que as pessoas andam lendo. Pessoas perdidas, tentando encontrar os diversos "caminhos". Pra que porra ele tinha que ter um caminho a ser seguido? Uma figura para idolatrar?

Ele tinha as mãos trêmulas, e a mulher da seção de marketing, observou a difícil tarefa que ele tinha para tomar um gole do café. Ela ficou assustada, quando a cara dele ficou vermelha de raiva, e saiu correndo, rezando para Bussunda ou Bunda, não lembro o nome que ela repetia.

Acalmou aos poucos. Era um dia difícil. Percebeu como estava fudido.Três meses de aluguel atrasados;R$330,oo numa loja de bebidas da R. Getúlio Vargas; R$100,00 no boteco do lado de casa."Nunca abram conta no boteco do lado de casa", ele sempre dizia."A pior merda que tem, é chegar em casa, puto da cara, e encontrar um barrigudo de bigode dono de boteco, cobrando a conta e estragando o prazer que é chegar em casa, depois de um dia de merda."

Saiu do trabalho, fumando um cigarro, e sentou na sua bicicleta amarela. Pedalou pela cidade, e viu as coisas de sempre. Nada de mais, nada de diferente, nenhum velho barbudo filosofando na praça, nenhuma pessoa inteligente.

Deu uma freada brusca, quando se deparou com um bêco. Ele nunca tinha percebido aquela ruela, estranha e solitária.Entrou ali. Agora andava, empurrando a bicicleta. Parou na frente de um prédio branco. Leu com atenção, um letreiro de neon, que piscava continuamente.

FILIAL Nº 137 DO INFERNO - DCA - Departamento de comercialização de almas.

Estacionou sua bicicleta naquelas coisas que se usam para estacionar bicicletas(me fugiu o nome,e estou com preguiça de pesquisar :http://www.google.com/). Por incrível que pareça tinha uma dessas coisas por lá.Entrou. Belo lugar. Aconchegante, climatizado, bem decorado. Viu algumas fotos emolduradas na parede. Riu quando viu uma foto da Xuxa e o seu Jaiminho, abraçados em frente à sede do Correio de Tangamandápio. Ele sempre soube que a Xuxa tinha vendido a sua alma, mas Jaiminho, o carteiro? Porquê?

- Hey, como funciona esse negócio?

-Boa tarde senhor. Que tipo de negócio o senhor está se referindo?

-Essa coisa de almas, cacete.

-Calma senhor, não precisa ficar assim, todo exaltado. Só não me pareceu clara, a sua pergunta.

Ele ficou puto. Serviu-se de um café, num daqueles copinhos minúsculos que só servem para dar VONTADE de tomar café, e ficou calmo. Deu um sorriso para a atendente, e fez um sinal para que ela proseguisse, explicando como funcionava todo aquele negócio.

-O senhor gostaria de vender sua alma, pagar para ter ela de volta(caso o senhor já tenha vendido em uma outra de nossas filiais), ou emprestar ela, e ganhar alguma grana de volta?

-Porra.Sei lá. To todo fudido. Acho que a opção é vender.

-Ok, preencha esse formulário, e aguarde.

Preencheu aqueles campos idiotas, e entregou.
- Aguarde um minutinho, senhor.

Aquela história de que um minuto no inferno, vale uma eternidade, deve ser válida em suas filiais também. Acho que esperou umas 5 horas. No meio disso, uma mulher de lingerie desfilou por uns 15 minutos na recepção. Parou quando um velho teve um ataque cardíaco. Os funcionários aplaudiram e um placar eletrônico anunciou de 501, para 502 mortos por "impaciência demasiada para esperar um atendimento". "Se isso matasse, os nossos postos de saúde seriam locais de genocídio", pensou.

-João Antunes?

-Presente!

-Entre, por favor.

Cumprimentou o cara que parecia ser médico, e entrou numa sala. Sentou-se. Respondeu milhares de perguntas. Quase dormiu. Peidou, arrotou, teve a entrevista mais longa de todos os tempos. Ficou PUTO.

Saiu de lá e foi em direção à atendente.

-Pode esperar, senhor. O resultado sairá em breve.

-Que porra de resultado?

-Nossa, o senhor é muito grosso.

55 copinhos minúsculos de café depois...

-Tá, desculpa. Eu estou esperando que espécie de resultado?

-Sua personalidade está sendo avaliada. Através de vários testes e perguntas, sustentados em teorias psicológicas. Veremos quanto vale sua alma. Quão ela é valiosa. Se você é um cara muito legal, bastante legal, ou só legal.

Estava abestalhado com a burocracia daquela merda toda. "Caralho, isso não é diferente de nada.É a mesma merda de sempre", pensou

Sentou e aguardou.Não aguentava mais ver aquela mulher falando. Dessa vez, não esperou muito. A mesma moça que o atendeu, gritou:

- João Antunes?

- Presente!

Parou na frente da moça. Ela o olhava com uma expressão indescritível. Decepção, vergonha, pena, eu não saberia dizer. Ele ia começar a gritar, quando ela continuou:

-Lamento muito informar senhor, mas a sua alma não tem valor nenhum para nós.

-Como não?

- Bem. O senhor já cometeu todos os pecados capitais. Desrespeitou 6 dos 10 mandamentos da igreja cristã. Desrespeitou uma série de princípios islâmicos. Come carne de vaca todo dia, e isso emputece os indianos. Nós não irritamos ninguém, efetuando a compra de sua alma.Nenhuma dessas pessoinhas que ficam no céu, querem que você vá para lá. Nas palavras do médico que o avaliou, "o Senhor João Antunes, o cara da seção de cobranças, trabalhador infeliz e filho da puta, deveria pagar para que não levássemos sua alma. E isso seria caro.Muito caro. ASSINADO: DR EVIL".

João baixou a cabeça. Estava cansado de ficar puto. Era difícil, pois, do jeito que estava, tudo era extremamente irritante.

-Mas, o senhor tem uma saída.Uma possibilidade.

-Diga, eu pareço mal na foto mesmo.

-Se tem uma coisa que Eles detestam, é uma alma perdida se salvar, e depois se perder de novo.

-E onde eu entro na história, dona moça?

-Nós lhe damos um empréstimo. Você corrige seus erros. Consegue um emprego decente. Faz essa barba feia. Dá um jeito na vida, sabe, essas coisas.

Ao mesmo tempo que falava, a moça foi colocando várias notas de 50 no balcão.

-O senhor aceita?

- Claro!

Assinou um contrato, um termo de responsabilidade, umas outras 15 folhas, e saiu com R$1500 reais para ajeitar sua vida e se tornar uma "alma comercializável". Entrou num bar novo que tinha inaugurado, bem perto de sua casa. Pegou R$1500 reais, e levou todo o estoque de whisky dos caras. Ele estava fudido. Fudido mesmo. Para que se importar, então?

Ninguém mais viu João Antunes no dia seguinte. Mas, eu posso garantir, que ele tomou um porre memorável no último dia de sua vida. Antes de virar pó. Pó de merda. A mesma merda de sempre.

By escritor da zona

2 Comments:

Blogger M. said...

Muito bom, Sr. André!!

5/30/2008 1:05 PM  
Blogger nikieseuboné. said...

meu sócio é definitivamente o IRMAO DO CARA...já que na parada de ônibus tava escrito " EU COMI O CARA", acho que exatamente o cara ele nao deve querer ser então....mas o irmao do cara ja ta valendo

5/30/2008 11:34 PM  

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