segunda-feira, novembro 03, 2008

A entrevista, o sorriso, e o escritor que mudaram meu dia

Sabem aquele gordo mal-educado da agência de empregos, do penúltimo post? Pois é, apesar do cara ser um chato e não ter gostado do meu currículo, mandou minha indicação para aquela clínica, e numa sexta-feira chuvosa, uma tal de Janete me ligou e pediu se eu gostaria de fazer uma entrevista na clínica dela.

Havia um porém, que o gordinho sabichão não tinha me informado: trabalhar em finais de semana.

O meu grande problema, é que em todos os meus empregos, tive que trabalhar em finais de semana. Foram alguns sábados e domingos que duraram uma eternidade, por eu estar completamente seqüelado ou simplesmente por ser sábado e domingo. Não sou religioso, mas gosto daquela história de dias de descanso. Principalmente, unindo o dia sagrado dos judeus(sábado) e dos cristãos (domingo).

Tudo bem. Tem aquela história de "hoje em dia não é fácil arranjar um emprego" ou "tá todo mundo na merda", mas que se fôda, gostaria de um pouco de paz. Mas disse à mulher que eu iria na entrevista, segunda-feira às 14 horas. E fiquei o final de semana inteiro matutando esse negócio de emprego na minha cabeça.

Outro grande problema, é que pelos horários, eu nem poderia voltar para casa dos meus velhos, em Nova Petrópolis. Conseqüentemente, não poderia ver minha namorada nem meus amigos, e teria que encarar uma mudança de cidade, um novo emprego, e tudo isso, sozinho.

Segunda-feira eu estava lá, na frente do HPS em Porto Alegre, procurando a tal da clínica. Dobrei algumas ruas e cheguei onde eu queria. Subi, me identifiquei, e me deixaram sentado uma meia hora numa salinha de reuniões estranha.

- Pode se servir de café, a Janete já vem - um cara me disse

- Não, obrigado.

E pior que eu queria tomar um café, mas não sei porque disse que não. Aí fiquei aquela meia hora, olhando pra cafeteira e pensando se eu pegava ou não o café, e desisti. Minha conclusão foi interessante. Porque por telefone eu havia dito que não fumava(também não sei porque diabos eu disse isso!), então não fumei antes da entrevista, e café me dá uma puta vontade de fumar. A tal da Janete entrou na sala.

Nunca tive muitas entrevistas na vida, mas creio que todas são ridicularmente iguais. Ficamos ali uns 5 minutos, falamos sobre o que eu já tinha feito da vida, até que ela falou sobre trabalhar em finais de semana. Tentei negociar. "posso fazer algumas horas nas duas manhãs livres que eu tenho", esse tipo de coisa. Ela disse que não. Eu disse que então não gostaria de concorrer o emprego. Pedi desculpas por fazer ela perder seu tempo, saí dali e acendi um cigarro. A entrevista mais rápida de todos os tempos. Foda-se.

Voltei para o centro, e eram 3 horas da tarde. Eu iria dormir no apartamento do Êdo, mas ele chegava só as 6. O Matias chegava as 4:30, então resolvi ficar vadiando pela Andradas, ver se achava algo interessante.

Pra ser bem sincero, aquela uma hora e meia que fiquei esperando, foi extremamente interessante. Um grupo de indígenas de origem norte-americana, estava tocando uma música muito divertida, com flautas,chocalhos, e gritos. Fiquei ali. Foi quando vi um cara que me chamou atenção. Ele era mendigo, e devia ter uns 30 e poucos anos. Ele falava sozinho e corria atrás de uma pessoa imaginária. Achei uma ótima cena. Ele dançava ao som daquela música, girava, e cantava e sorria. Um sorriso que há tempos eu não enxergava no rosto de ninguém. Um sorriso tão puro quanto o de uma criança. Ele estava mal vestido, devia estar com fome, e nem devia ter uma casa pra ir. Mas ele sorria, e aquele sorriso puro e sincero transformou meu dia. Fiquei com vontade de ser livre como ele, de ter a loucura dele, de ter aquele sorriso todos os dias e de ver mais pessoas sorrindo daquele jeito.

Fui então à Casa de Cultura Mário Quintana, que para o meu azar, estava fechada. "não abrimos nas segundas-feiras", dizia a placa na entrada. Sentei ali mesmo, num degrau, abri um livro e comecei a ler.

Gosto de sentar em locais como esses para ler, e essa atitude me trouxe outra situação interessante daquele dia. Percebi a sombra de um cara na minha frente:

- eai rapaz. percebi que tu estás sentado aí, lendo. eu sou escritor. tenho alguns livros publicados, alguns patrocínios, e vou deixar o meu livro aí pra ti.

Vou ser bem sincero, ao dizer que primeiramente não assimilei aquelas palavras. Achei que era mais um cara tentando vender algo nas ruas de Porto Alegre.

- tu tá me dando o livro?

- sim, dá uma lida e se gostar, divulga ele. vou estar na feira do livro de POA também, então...

Ele foi embora e eu fiquei ali, com aquele livro na mão. Dei uma folhada e senti mais uma vez uma sensação agradável. Foi um gesto legal, daquele escritor. Poucas pessoas fariam isso, poucas pessoas se interessariam para mais um cara sentado no degrau da casa de cultura, lendo o livro.

Foram essas pequenas coisas, que me alegraram naquele dia. Não vou esquecer tão cedo o sorriso do jovem mendigo, ou do escritor que me deu um livro.

A propósito, troquei e-mails com o tal escritor, que se chama Sérgio:

1º email:

"olá sérgio!
meu nome é André, e estava sentado na Casa de Cultura MQ, lendo Bukowski, quando tu me destes o teu livro.apreciei muito teu gesto, tanto que fiquei confuso naquele momento. da mesma forma, apreciei muito a leitura do teu livro. "li numa sentada", como diz a dona Seleni, minha mãe.tenho um blog, onde escrevo com um amigo..se um dia estiver sem nada para fazer..e quiser dar uma lida: http://nikieseubone.blogspot.com/ meu nick é escritor da zona(não me pergunte porque.longa história. mas existe uma explicação plausível, acredite!!!)não somos profissionais, mas as vezes escrevemos coisas boas!!!e cara, admiro muito os escritores de hoje em dia....a coisa está ficando complicada. as pessoas só querem "auto"- ajuda, super interessante e a bíblia. parabéns!acompanharei teu trabalho.abraços. "

resposta:

"Aí, André.
Valeu o teu contato, cara.Certamente eu tenho a obrigação de fazer uma crônica daquela cena, tu sentado no chão da Casa de Cultura lendo... Bukowski. Para mim, ele é o cara e quem o lê, também.A tua visão naquele momento parecia um filme de Fellini, Bergman ou algo melhor.Meu velho me desculpa eventuais erros nos textos, pois para enfrentar essa porra toda eu não tive revisor. Tive patrocínio mas não tive revisor (dei um 71 neles).Vou visitar teu blog, sim.Espero te "pechar" por aí.Um abraço forte doSérgio."

3º e-mail:

"Pô, legal que tu aproveitaste esse momento também. Eu acho que existem alguns pequenos momentos como esses, que nos diferenciam uns dos outros. Essas pessoas, essas palavras, esses gestos. Legal mesmo. Vou te passar, o trecho do livro Notas de um velho safado, que eu estava lendo naquela EXATO momento:

"- o que mais pode ser o amor?
- o senso comum de querer muito alguma coisa muito boa. não se precisa estar relacionado por laços de sangue. pode ser uma bola de praia vermelha ou uma fatia de torrada com manteiga.
- você está querendo dizer que você pode AMAR uma fatia de torrada com manteiga?
- somente algumas, senhor. em determinadas manhãs. sob determinados raios de sol. o amor chega e vai embora sem avisar.
- é possível amar um ser humano?
- é claro, especialmente se você não os conhece muito bem. eu gosto de olhar pra eles através da minha janela, caminhando na rua.
- Stirkoff, você é um covarde?
- é claro, senhor.
- qual é a sua definição de covarde?
- um homem que pensaria duas vezes antes de lutar com um leão com as mãos nuas.
- e qual é a sua definição de um homem corajoso?
- um homem que não sabe o que é um leão.
- qualquer homem sabe o que é um leão.
- qualquer homem pensa que sabe.
- e qual a sua definição de um tolo?
- um homem que não se dá conta que o Tempo, a Estrutura e a Carne em sua maior parte se desgastam"
Cara, quanto aos erros, nem reparei em muitos. Nem sei se lembro de algum, na verdade. Não é o tipo de coisa que procuro nos livros. Desde que eu tire alguma conclusão interessante sobre o que estou lendo, está bom.Sem ofender, mas tu ficarias incomodado se eu escrevesse no meu blog um texto sobre isso também? Já tinha pensado em escrever algo sobre você ter me dado o livro
Bem, talvez nos "pechamos" por aí..vai saber..com esse mundo louco
abraço.
André"

Bem, como vocês podem ver, ele disse que não havia problema em contar a história no blog, mas espero a crônica dele sobre a visão dele daquele dia.

O livro é realmente muito legal, e o blog dele é www.cronicasdosergio.blogspot.com . Se alguém que me conhece quer o livro emprestado, tudo bem também.

Em relação a empregos, bem, ainda não arranjei nenhum. Mas não tem problema. É só fechar os olhos, e me lembrar do sorriso que eu vi no rosto daquele homem, que eu percebo que não é preciso muito para ser feliz.

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

consigo imaginar com uma clareza incrível esse conto.
tu, bem Bergman.
(eu já seria um Woody Allen ainda mais espaventado,
mas é a vida.)

11/03/2008 8:23 PM  
Anonymous Anônimo said...

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

11/03/2008 10:35 PM  
Anonymous Anônimo said...

Tche loco!
Sentado aqui, bebendo uma cerva, penso que adimiro pessoas como tu, como o mendigo, como o escritor... Mas seja um bom sorriso ou uma garrafa cheia, o importante é se lembrar disso no dia seguinte.

11/04/2008 2:27 PM  

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