quinta-feira, julho 02, 2009

Pai. tem um monstro no meu quarto

Ele estava lendo jornal, o caderno de moda dominical, sentado em sua cama. Adorava ler o caderno de moda antes de dormir. Era bom saber que pessoas perdem tempo lendo coisas idiotas pela manhã, enquanto ele fazia isso em meio a whisky e cigarros até não enxergar mais as letras miúdas daquela porcaria.



- Pai! Tem um monstro no meu quarto!!



Era seu filho, de uns 8 ou 9 anos (ele nunca sabia ao certo), no quarto do lado. Olhou para a sua esquerda e viu sua mulher. Ela estava com aquele cigarro vagabundo na boca, lendo uma revistinha daquelas que contam novelas de amor mexicano. "sua vadia", ele pensava.



Aquela história de "viveram felizes para sempre" acaba quando você deixa de olhar os contos de fada. A vida vai se tornando real, e você descobre que o amor pode ser uma droga. Você promete passar a vida toda ao lado de uma pessoa, baseado num sentimento extremamente complexo e instável. Talvez o amor de verdade não seja tão frágil assim. Mas o que ele sentia por ela era qualquer coisa que não o amor.



Acho que em grande parte o amor acaba porque a gente fica tentando viver no passado. "no início era ótimo...o que mudou?" Essas perguntas que nos remetem ao início de um relacionamento. A verdade é que tudo muda. E não nos contentamos com isso, esquecendo de tentar fazer algo para mudar o presente, paralisados pelas boas memórias de tempos que passaram. Paciência.

E essa história de encontrar alguém pra vida toda? Ele não sabia se isso era realmente possível. Duvidava que com todo esse egoísmo e mesquinharia que cerca o ser humano, alguém possa partilhar desejos e as vezes deixá-los de lado, para viver ao lado de uma pessoa. O amor é uma merda. Sua mulher é uma merda. Moda é uma merda.

Ela apenas se mexeu para bater as cinzas do cigarro. Não deu atenção nenhuma ao chamado do filho. Sentia nela o cheiro do martini que ela o obrigava a comprar a cada 3 dias. Bebia tanto quanto ele, e acho que isso era o que mais o irritava. Jogou o jornal no chão, secou o copo de whisky e foi até o quarto do filho. Domingo é uma merda.

- Olá, filho.

- Pai. Tem um monstro no meu quarto.

- Não existem monstros, meu filho.

- Existe sim. Eu vi um entrar no meu armário.

- Vamos ver.

Ele foi em direção à porta. Queria abrir o armário e encontrar algum monstro. Algo que matasse ele e sua mulher. O filho merecia algo melhor. Submeter uma criança a uma criação num ambiente extremamente falso? Que egoísmo da nossa parte. Apenas para dar continuidade genética ao nosso legado de fracassos.

Não havia monstro nenhum no armário. Seu filho ficou tranquilo. Ele contou uma história qualquer e o garoto adormeceu.

Voltou para a cama e a mulher estava dormindo. Provavelmente fingia. Tomou uma última dose de whisky. Amanhã, acordaria com ânsia de vômito, seguida de um gosto horrível na boca. E viveria mais um dia da sua vida inútil.

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

isso me lembra aquele conto "...eu tenho um dragão no meu quarto. Ele mora comigo..."

7/04/2009 4:12 PM  
Blogger Renan Müller said...

muito bom esse.

7/13/2009 6:09 PM  
Anonymous Anônimo said...

essas palavras são uma lente de aumento em relação a merda que é a vida se a gente não levar em consideração a urgência dela.
-excelente tatuagem!

7/17/2009 1:12 PM  

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