quarta-feira, setembro 24, 2008

HiSTóRiAs De Um BêBaDo QuE fOi PaRaR nUm LuGaR lOuCo

- hey cara. não se esqueça. enquanto o lambari morde a isca, o cavalo assume sua homosexualidade...

Fiquei tentando entender aquilo que o cara me disse. Na verdade, eu estava ainda tentando entender como eu tinha ido parar naquele lugar louco.

Estava em minha casa. Naquele dia, havia comprado uma boa garrafa de vinho, 2 charutos e uma carteira de cigarros Camel. O dia seguinte, seria mais um daqueles em que eu poderia ficar sentado, não fazendo nada.

Alguém bateu em minha porta. Eu estava pelado. Levantei da poltrona, botei o charuto no cinzero, vesti uma calça, e abri a porta.

- ôpa. Pedro né?

- na verdade não, o Pedro se mudou daqui ontem.

- bem, que seja. viemos convidar ele para uma festa, mas se você quiser ir...

-tudo bem, espere um minuto...

A garrafa de vinho já tinha acabado. O charuto eu podia fumar depois, e ainda não havia fumado nenhum Camel. O que tinha a perder? Vesti uma camiseta engraçada que tinha ganhado de um amigo, e saí.

- bonita camisa, Pedro...

- valeu cara, mas meu nome é Tadeu.

- a é mesmo. o Pedro se mudou ontem...

Aquele cara, era realmente peculiar. Não sei se qualquer um aceitaria ir a uma festa com um cara como esse. Ele usava uma calça de couro, um all star, e uma camisa florida. Mesmo parecendo ser jovem, já tinha uma bela duma careca, e os dentes encardidos.

Além disso, falava coisas muito estranhas. "nós viemos te buscar" "nós estávamos indo para outra festa". Usava o pronome "nós", como se tivesse sempre com uma outra pessoa. Ainda, ficava me chamando as vezes de Pedro, e as vezes de Tadeu.

- Tadeu. vamos entrar nesse bar e tomar uma cerveja. Nós estamos com sede.

Apesar de tudo, gostei dele. O cara estava sempre tomando alguma coisa, fumando um cigarro e falando coisas engraçadas. E fez a gentileza de pagar a cerveja, ainda.

Tomamos aquela cerveja em completo silêncio. E eu não me importei. Acho que existem momentos na vida de uma pessoa, que mesmo ela tendo companhia, precisa ficar em silêncio. E a maioria das pessoas, fica constrangida com esse vazio, mais livre e puro do que qualquer outro momento.

Dei o último gole da cerveja, acendi um Camel, e perguntei:

- mas eaí cara. qual o seu nome?

- é Lucas. mas as vezes me chamam de Ângelo.

- posso te chamar de Lucas?

- claro.

Lucas levantou, e pegou mais uma cerveja com o velho do bar. Era um boteco, dos clássicos, com ovos de codorna em conserva, e cachaça pra todo o lado.

- e essa festa, velho. é onde?

- na casa do nosso irmão. ele tá chegando da Rússia. estamos fazendo uma recepção pra ele.

Deve ser legal viajar pra Rússia. O irmão de Lucas deveria ter boas histórias. Achei que poderia ser um bom lugar para ir. Tomamos a cerveja e falamos apenas no necessário. Já nem dava bola, pra saber quem era o outro cara, que parecia estar com ele. Levantamos, e fomos pra casa do irmão dele.

Gosto de caminhar pelas ruas de Porto Alegre, no meio da noite. A maioria tem medo, mas logo entramos na rua dos Andradas, e ali para mim, é absolutamente seguro. Passamos a Casa de Cultura, e uns metros depois, entramos num prédio verde, do outro lado da rua.

- putz, é um apartamento. não dá problema fazer uma festa aí?

- que nada! nosso irmão é o síndico.

- Que beleza!

Subimos rindo, o longo trajeto do elevador. Era uma boa idéia se tornar síndico, e ficar aloprando no apartamento. Eles moravam no 11º, o último andar do prédio. Saltei para o corredor, e havia muito barulho por ali. As pessoas conversavam muito alto, e ouviam Jethro Tull a todo volume.

Lucas entrou primeiro, e eu o segui. O apartamento era minúsculo, mas devia ter umas 20 pessoas ali. Todas aglomeradas, deitadas, de perna pra cima, de perna pro lado, fumando cigarros e bebendo vodka.

- Lucas!!!! Cara, que saudade. Trouxe umas vodkas e uns cigarros russos pra comemorarmos.

- que beleza, mano. eu trouxe um amigo do Pedro, o Tadeu, porquê o Pedro se mudou ontem, do apartamento deles.

- tranquilo. E aí Tadeu, te serve de vodka. Pega uns cigarros, e curte aí. Se quiser trocar o disco, o aparelho ta na pia da cozinha.

- valeu cara. boas vindas ao brasil...

- obrigado, rapaz!

Duas pessoas estavam na cozinha, mas ainda havia espaço para mim. Fiquei num canto, olhando os discos, e fumando um cigarro. Apesar de não gostar de vodka, servi um copo cheio. Mas porra, era vodka da Rússia, e só de saber isso o gosto já parecia melhor. Sobre os cigarros, ouvi dizer que são fortes pra caralho, então fiquei com os meus.

O irmão do Lucas, tinha bons discos. Led Zeppelin, Cascavelletes, TNT, Bob Dylan, ABBA... Mas o dia estava bom para escutar Jethro Tull, então só aumentei mais um pouco o volume. Até lembrei do dia, em que fiquei sabendo, que fazia pouco tempo que eles fizeram um show em Porto Alegre, e fiquei puto da cara por não ter sido informado.

Na outra parte do apartamento ( só havia uma sala/quarto, a cozinha e o banheiro), Lucas dormia num canto, e o irmão dele tentava nos ensinar os palavrões que aprendeu em russo. Dávamos risada cada vez que ele dizia um novo, e ficava repetindo, nos xingando naquela língua divertida. É incrível como a primeira coisa que aprendemos em outra língua, são os palavrões. Parece até que vai ser útil na hora de pedir um café ou uma cerveja, em algum bar, ficar chamando o garçom de tudo que é coisa.

Acabei tomando uns cinco copos de vodka, fiquei completamente bêbado, e estava na hora de voltar pra casa, fumar aquele charuto, e dormir. Ainda troquei uma boa idéia com o irmão do Lucas/Ângelo.

- Tadeu, sabe, ele é meio esquizofrênico.

- o Lucas? como assim, meio esquizofrênico?

- é, é o que os médicos dizem. mas sei lá, pra minha família não muda nada. ele tem uma loja de discos, vende bem, tem a vida dele numa boa. só digo isso pras pessoas saberem, que as vezes ele pode ser meio, imprevisível, digamos.

- tranqüilo. eu achei ele um cara bem legal.

Fumei o último cigarro, me despedi do pessoal. Até acordei o Lucas, que disse o seguinte:

- um abraço, Pedro. hey cara. não se esqueça. enquanto o lambari morde a isca, o cavalo assume sua homosexualidade...

- ok. até mais.

Fui embora sorrindo. Aquele apartamento era um lugar louco, e agradável. Fiquei feliz com o que o irmão do Lucas me disse. Nunca entendi, porque as pessoas que tem alguma "doença mental", ou um parafuso solto, são vistas com outros olhos. Para mim, são pessoas interessantes, inteligentes, e que têm sentimentos de verdade. Já nem sei mais o que é realmente a loucura. E o pior, é que todos tem medo, pavor, e até ódio, dessa "imprevisibilidade" que uma pessoa pode causar. Mas afinal, que graça teria a vida sem esse tipo de coisa?

sexta-feira, setembro 19, 2008

Enrolei mas não deu...

Era uma vez dois amigos. Um morava numa cidade e outro noutra. Volta e meia o que tinha se mudado, ia visitar seus parentes e amigos na cidade que havia deixado para estudar. Esses dois rapazes, eram muito amigos mas fazia tempo que não se viam. Quando um deles foi passar as férias na sua cidade, o outro colocou uma mochilas nas costas e foi conhecer a América. Falavam - se pelo MSN e numa dessas conversas um deles comentou sobre um filme que tinha acabado de olha:

- Bah meu, acabei de olha o filme do the doors..

- Aquele com o Val Kilmer?

- Aham...

- Bah que massa meu..tava afim de olha também!

- Beleza cara, vo grava ele num cd e te mando por correio....presente de aniversário - disse ele.

Em um lapso sensacional de útilidade da massa cerebral, o que ia gravar o cd pensou em fazer uma supresa para seu amigos, já que eles não se viam a tempo era o fim de semana do aniversario dele e ele também precisava esfriar a cabeça, coisa que só conseguia quando voltava a sua cidade. Então decidiu ir até lá e entregar o CD pessoalmente e curtir a festa de aniversário do amigo.

Passou a conversa de forma espetacular em seu amigo, dizendo que já tinha colocado o CD no correio e que a previsão que dele chegar lá era no sábado, justamente o dia que ele chegaria de viagem. Até ai tudo OK. Pensou em um cúmplice, no caso UMA cúmplice, já que o que se passa na cabeça do seu amigo, as vezes, é dificil compreender. Falou com sua namorada e pediu pra que segurasse ele em casa no sábado, para ele não ter vontade de sair sem rumo e seu amigo acabar dando com a cara no poste quando fosse entregar o cd para ele. Alguns depoimentos trocados com a primeira dama, tudo confirmado, ele ainda estaria sozinho em casa. Tudo perfeito até então. Seria uma surpresa legal.

Mais e mais papos enrolando seu amigo se passaram. Primeiramente passagens compradas para sair quinta a noite e voltar domingo a noite. E então o primeiro imprevisto. Na sexta - feira haveria uma homenagem na empresa que ele trabalhava, em virtude de ter conquistado medalha num campeonato nacional de mecatrônica. OK. Passagem adiada para sexta - feira denoite e volta agendada para segunda a noite também.

Tudo certo. Sexta - feira, 20 horas, ele sai da faculdade mais cedo, pois seu ônibus sairia as 22:30. Pega uma carona com sua vizinha e eles vem batendo altos papos durante a viagem. Na despedida, um beijo sem graça no rosto que não estava previsto. Quando coloca o pé pra fora do carro, já bate o arrependimento. Mas tudo bem. Oportunidades virão, ele esperava.

Chegando em casa, arrumar as malas, pegar as passagens e sair.
21:30 - uma hora ainda para o ônibus sair, daria tempo de chegar na rodoviaria, tomar uma gelada para durmir tranquilo. Saindo de casa, na metade do caminho, algum filho da puta tem a ótima idéia de andar na contra - mão da Rodovia Estadual que corta Florianópolis. Bate em dois carros de frente e a merda está feita.

21:50 - quando o trânsito pára. Desliga - se o carro e a agonia vem. Uma luz de esperança ainda habitava o coração do pobre coitado. Dez horas e nada do transito se mexer. Ambulâncias, viaturas da polícia, guincho, caminhão de bombeiros. Um circo armado e o cara preso entre as ferragens.

22:15 - Ele e seu pai no carro, conversando, hora de ligar para casa para cancelar as passagens. Em um dia normal, o trajeto de onde eles estavam, até a rodoviária, levaria un 15 minutos em velocidade consideravelmente rápida.

22:17 - Passagens canceladas. Pessoas e mais pessoas correndo para ver o que aconteceu. Uns dando ré e andando na contra-mão para sair do engarrafamento. Carro desligado e angústia.

22: 25 - ônibus perdido. Final de semana perdido. Sem festa com amigos, sem surpresa, sem filme. Sem porra nenhuma, graças ao imbecil filho da puta que resolveu andar na contra-mão e foder com a vida de alguém. E incrivelmnte, o alguém escolhido, fui eu.

22:31 - trânsito liberado...

nikieseuboné.

domingo, setembro 14, 2008

No carro do Arthur

Somos livres, ou pelo menos, é o que a maioria acredita. Ironicamente, ao mesmo tempo, crescemos aprendendo que sem dinheiro não somos nada. Crescemos aprendendo que temos que ser alguém na vida.Temos que fazer algo grandioso, "escrever um livro e plantar uma árvore". Mas sinceramente, isso não faz muito sentido. Acabamos esquecendo das pequenas coisas, dos pequenos gestos, e das lições que a vida nos dá, a cada dia que vivemos. E ficamos presos a isso, a essas obrigações.



Não acho que há uma maneira de fugir disso. Querendo ou não, a sociedade está assim como está, devido a um longo processo histórico, e tentar remar contra a maré de uma maneira extremista, é suicídio.



Contentamento? Não. Não acho que o mundo esteja perto de ser um bom lugar para se viver. Mas aos poucos, devemos ir tentando. Não somos totalmente livres, e creio que nunca seremos livres de verdade. Mas devemos tentar, entendem? Da maneira que nos é possível.



Lembro que era algo assim, que eu estava pensando, naquela manhã. 10 de julho de 2008. O Arthur dirigia o carro, e estava de aniversário. Mas era cedo, e não estaríamos aqui para comemorar com ele. Na verdade, ele estava dando uma carona. A última carona, antes de tudo começar. Mas era a carona certa. Pois o Arthur deveria estar indo com nós naquela viagem, e já que ele não iria, pelo menos deveria ser o último a se despedir de nós. Conversávamos. Eu estava um pouco nervoso, e acho que o Matias também.



Descemos do carro, e fumamos um cigarro. O Arthur, o cara que sabe ser objetivo e prático, olhou para mim e para o Matias, e disse:



-Aí gurizada. Se cuidem por lá. Aproveitem, e mantenham contato.



Demos um aperto de mão, e agradecemos. Era uma pena que ele não iria junto. Ele, eu e o Matias, combinávamos isso há tempos. Mas ele conseguiu um ótimo emprego, e não podia rejeitar.


Acho que fazia mais de um ano que combinamos essa viagem. Ela inclusive já devia ter saído há algum tempo (como vocês podem ler nesses dois textos 1 e 2), e finalmente havia chegado a hora. Mas algumas coisas haviam mudado, desde a primeira vez em que pensei sobre os motivos da viagem. No começo, eu só queria sair daqui, largar meu emprego, ficar longe de tudo. Lembro até duma conversa que tive, com uma pessoa que sempre deu bons conselhos.

"hey andré, só tem uma coisa: nada é geográfico!"

E é verdade. Não importa aonde você for, com quanto dinheiro, com quantas novas possibilidades, os seus problemas estarão com você. Os defeitos que eu vejo aqui, podem não existir em outros lugares, mas outros surgem. Pessoas ruins existem em todo mundo. Decepções e frustrações também. Não há como fugir de você mesmo. E por sorte, eu finalmente tinha consciência disso, naquele momento no carro do Arthur. Não era mais a viagem de fuga e esquecimento. Não era a viagem da redenção, como eu esperava antes. Era apenas uma viagem. Para ver coisas novas, conhecer pessoas e lugares diferentes, para pensar sobre os problemas, e não fugir deles. E talvez a oportunidade de sentir-se um pouco mais livre.


Estava na beira da estrada, ao lado do Matias, com uma mochila de 10 kilos nas costas. Via o carro do Arthur se distanciando. Ele é um grande amigo. E naquela hora, já sabíamos quanta falta ele faria. Agora era só esperar. Já tínhamos uma longa carona. O cara se chamava Rodrigo, era primo do Arthur, e iria até Goiânia levar uma carga em seu caminhão. Nós queríamos chegar no Peru, e tínhamos um longo caminho pela frente.



Avistamos um caminhão, que ligou o pisca, e entrou no acostamento.



"É ele!", os dois pensaram, automaticamente. Pegamos as mochilas, e corremos. Entramos, e nos apresentamos. Me surpreendi com a juventude do Rodrigo. Ele parecia ser um cara legal. Foi tudo muito rápido. Mas de repente, caiu a ficha. Acho que foi a primeira vez que senti um frio na barriga como esse. Não saber o que vai acontecer no dia seguinte, não saber se você vai conseguir chegar onde você quer. Agora era real. Seguimos pelo Rio Grande do Sul afora. Finalmente havia começado. Sentado, naquele caminhão, eu estava feliz. Talvez um pouco nervoso, mas a sensação de liberdade era imensa. Pensei em todos os amigos, na Juliana, nos meus pais, e deixei o que me prendia para trás. De agora em diante, era apenas o Matias e eu.


Continua...

o escritor da zona