terça-feira, novembro 18, 2008

Viagem longa

local da barraca no Trevão, MG


ainda o local da barraca no Trevão, MG

mais de 5 horas de tédio, parados numa cidade chamada Papanduva, SC, por problemas no caminhão
Este texto, é o segundo da série Viagem 2008. Você sempre poderá ler os textos anteriores, clicando no link: texto1



Alguns amigos que lêem o blog, já pediram várias vezes:



- Pô, eai André. quanto que tu vai continuar a história da viagem de vocês ?



E eu digo normalmente que será "logo, em breve".



Mas a verdade, é que perdi a conta de quantas vezes me sentei bêbado, são ou em qualquer outro estado de espírito, e não consegui. Escrevia uma frase e apagava, tentava dizer de outra maneira, mudava e no final acabava enchendo o saco. É muito difícil colocar aquela realidade, aquela paisagem, aqueles sentimentos que passavam pela minha cabeça, em um texto qualquer.



Mas uma coisa que percebi, ao longo do caminho, é que era um início fácil demais. Foi uma carona arranjada com antecedência, e a coisa complicaria mesmo quando chegasse a hora de descer o caminhão.



Combinamos logo no início com o Rodrigo, que o destino final seria um lugar chamado Trevão, em MG, perto da divisa com Goiás. A princípio, esse seria o lugar ideal, pois o local está sempre cheio de caminhoneiros, que podem estar indo ou vindo de Belo Horizonte, São Paulo, Goiás, e Mato Grosso do Sul. Eu digo "a princípio", porque esse foi o primeiro erro que cometemos, mas ainda não cheguei nessa parte da história.



Como sempre, acontecem os imprevistos. O primeiro foi bater num Urubu em Vacaria, que demorou demais para levantar o vôo da estrada. Por 10 centímetros ele não bateu no pára-brisa, o que seria desastroso.



Numa cidade chamada Papanduva, em SC, paramos para esticar as pernas, fumar um cigarro, esse tipo de coisa. O Rodrigo notou que tinha um vazeamento de óleo, e enconstou o caminhão numa mecânica que tinha naquele posto.



Para conseguirmos atenção, demorou quase uma hora, e aí passaram a se dedicar no nosso problema. E aquilo demorou. Só podia ser praga dessa tal cidade de nome estranho, ou daquele urubu, porque ficamos mais de 5 horas parados. Primeiro sabiam qual era o problema, depois não era, o caminhão já não ligava mais, e nesse meio tempo eu e o Matias já estávamos exaustos. Precisávamos dum banho. Precisávamos comer.



Um cara teve que ir à cidade, pra chamar um outro cara, que tinha uma ferramenta necessária para terminar o serviço. O cara chegou, com seu instrumento mágico, e finalmente, aquilo tudo acabou. Foi um saco ficar esperando aquilo tudo. Até nos metemos pra ajudar, e eu tinha óleo nas sobrancelhas.



Tomei um bom banho. Rápido mas bom. Era daqueles que você paga e só pode ficar 4 minutos, depois a água desliga. Tudo bem, foi o suficiente.

Eram 11:30 da noite, quando os 3 haviam tomado banho, estavam alimentados, e prontos para embarcar no caminhão. Foi aí que o Rodrigo encontrou um cara. Ele era caminhoneiro e o Rodrigo conhecia ele há um tempo. Foi bastante sorte. Porque o cara ofereceu carona pra um dos dois, e assim nos dividimos. Bom para o Rodrigo, pois além de ter outro caminhão acompanhando, uma carona só não tem como dar multa ou problemas.


O figura era gente boa. Não lembro o nome dele, porque acho que nem fomos apresentados pelo nome. Lembro o Rodrigo dizendo:


- Ó. conheçam esse cara. ele é meio louco. só para terem noção, o apelido dele é Gardenal.

E o cara:


-É isso aí. Prazer, pessoal.

O Matias entrou no caminhão do cara, e descobriu o porquê do apelido. O cara era meio pirado, escutava AC/DC, Metallica e músicas do gênero. Mas era uma figura. Fazíamos as paradas juntos, e eu também fui conhecendo-o, e percebendo isso.


A partir daí, as coisas simplesmente andaram. O azar havia acabado. Por enquanto.


Naquela altura, o Rodrigo já tinha liberado pra fumar no caminhão dele, e eu estava feliz com isso. Um passatempo, pelo menos!!! Fizemos um chimarrão entrando no Paraná, e seguimos.


A viagem tornou-se extremamente cansativa e tediosa depois disso. O Rodrigo e o Gardenal dormiram apenas uma hora e seguiram viagem. Dormi um pouco mais que isso, mas quando o Rodrigo começava a ficar com sono, me acordava pra fazer companhia.


Esse sono, aliado a paisagem monótona de São Paulo, começava a cansar. Os cigarros iam e iam. A bunda tava ficando quadrada.


Lembro dos tempos de estudar história, e aquela coisa da política do café com leite. Foram horas e mais horas de plantações. Café, mandioca, cana, milho, e o caralho a quatro. Esses fazendeiros de SP e MG ainda devem mandar no Brasil. Em Minas Gerais foi assim também, incluindo as plantações de abacaxi, e um delicioso suco natural que tomamos na beira da estrada.


Fizemos a última parada antes de descer no Trevão, e estava anoitecendo de novo. Tomamos aquele banho de 4 minutos de novo. Conhecemos mais alguns caras. Eles ficaram apavorados com nossa idéia. Eu comecei a ficar meio preocupado também. Duas horas dali, nós desembarcaríamos num posto de gasolina, e ADEUS. E eles diziam: "onde vocês vão dormir?", "não sei se vão conseguir carona ali..."


As duas horas se arrastaram e passaram voando ao mesmo tempo. Aquela preocupação de descer do caminhão, me trouxe milhares de sentimentos. As coisas não ficavam bem claras na minha cabeça.


Finalmente chegou a hora. Já eram 10 horas da noite. Nos despedimos do Rodrigo e do Gardenal, e agradecemos imensamente a ajuda que eles nos deram. Agora sim, tínhamos que nos virar.


O gerente do posto, deixou acamparmos num lugar bem sossegado ali no posto mesmo. Tinha um rio que passava atrás, e um telhado onde dava pra deixar a barraca. Ficamos felizes com aquilo. Aquele nervosismo passou e eu estava bem. Armamos a barraca, e fomos averiguar o local. Seria bom começar comemorando, e fomos atrás de cerveja.


A mulher do restaurante do posto, nos lembrou da tal lei que não se pode vender bebidas alcóolicas na beira de rodovias federais.


- hey. eu já trabalhei nesse ramo de restaurante, padaria. e sei que sempre sobra algo. será que não sobrou nada? - o matias disse


A mulher sentiu pena quando descobriu que estávamos acampados ali no posto mesmo, e nos mandou pegar um lanche e um suco no buffet. Ganhamos um pastel de graça. Foi divertido, até ela se dar conta de que antes disso estávamos ali para comprar cerveja, e indagou sobre isso. Senti uma pequena vergonha, mas nos defendi:


- bem. somos de origem alemã. sempre dá pra gastar dinheiro com cerveja.


Baixamos a cabeça e saímos dali. Ainda dava pra esquentar uma sopa. Chamávamos atenção do pessoal do posto. Devia ser engraçado os dois com uma barraca, fazendo sopa, num posto de gasolina.


A gente dava risada. Parecia que tudo estava dando certo, nada nos deteria. Podíamos dormir e amanha começar a pedir carona no dia seguinte. Depois de 2 dias de viagem, quase sem dormir, dentro de um caminhão, um colchonete seria perfeito. O dia seguinte seria perfeito também. Era o que a gente esperava. Era...








Continua

domingo, novembro 09, 2008

Gita

Era sexta - feira. Tinha tido uma semana de bosta. Por pouco não tinha sido demitido depois de ter mandado seu chefe a puta que o pariu, por descordar do óbvio que tinha que ser feito. Em toda aquela imensa cidade havia apenas um bar, um lugar que ele sentia-se bem. E era lá que ele estava naquela noite. O lugar era nojento, escroto, mas era ali que ele se sentia bem. Era pra lá que ele ia quando as coisas iam de mal a pior como vento em polpa, exatamente como estava acontecendo com ele. Sentado no balcão, girando seu copo de white horse. Podia ser um fudido na vida, mas tinha estilo e personalidade suficiente para chamar a atenção.


- Me dá mais uma dose de white...



- Acabô Senhor, o Senhor bebeu a meia garrafa que restava...



- Bosta....me dá um black label então, sem gelo...



- Essa o senhor tomou ontem...



-Tá, me dá então o absinto...



- O absinto tá na outra mesa com aquelas pessoas que pediram a garrafa inteira..



- CARALHO!!! ME DÁ UM SACO DE PREGO DESSA PORRA ENTÃO! SEU VIADO!!! - quebrou o copo contra a parede levantou - se e foi embora.



Antes de passar pela porta, uma cadeira voa ao seu lado e se espatifa na parede. Quando ele olha para trás, vê um gordo saindo da porta vai - e - vem da cozinha, secando as mãos com uma toalha pendurada no ombro, camiseta branca encardida e com a careca suada.

Ele abre a carteira, deixa duas notas de 50 e segue seu caminho....

Sempre caminhando à sombra da rua, fugindo da luz do poste, passando pela desertidão das ruelas de sua cidade em plena sexta-feira. Noite quente, pensamento longe, angustia. Uma vontade de sair correndo pelado gritando em plena avenida.

Passos curtos, desanimados...virando na rua que chegaria a sua casa, ve um homem escorado na porta de seu prédio. Braços cruzados, em uma perna ele se equilibrava e a outra escorava na parede do edifício. No começo teve um pouco de medo, era meio ressabiado com essas coisas, ainda mais numa madrugada de sexta-feira em salvador. Passou de cabeça baixa pelo homem e ouviu um assovio:

- Psiu....ei moleque..

Ele olhou para trás e parou de caminhar....

- Quem é você?

- Eu sou a mosca que pousou na sua sopa....

- Quê? - disse ele sem muita vontade de dar trela pra um bebado qualquer...

- Eu sou a mosca que perturba o seu sono....

- Ah sim, só falta fala que é a mosca do meu quarto que fica zumbizando.... -disse ele debochando.

- Exato, garoto! e deu um passo a frente, colocando seu rosto, que antes se escondia na sombra, na vaga iluminação de um letreiro da rua...

- RAUL?

- Não vou dizer em carne e osso pq seria idiotice, mas.....o próprio

- Caraaalho..mas mas...

- Não garoto, não fale nada...eu sei tudo o que se passa na sua cabeça...sou a sua consciência...e não foi nada legal quebrar o copo do bar e xingar o garçom, meu amigo.

- PUTA QUE PARIU....mas...mas...como isso?

- É, eu devo ter mijado na cruz pra ser sua consciencia na reencarnação...

- Porra...tão ruim assim saber o que eu penso?

- Se fosse ruim, ia tá bom ainda...mas é péssimo...o muleque pra se mais depressivo você hein...

- Tá...tá...me dá a honra de sua presença no meu apartamento então, minha consciencia? - antes dele terminar de falar, Raulzito já tinha sumido...

Ele abriu a porta, comprimentou o guardinha que durmia na recepção e foi ao seu apartamento.

Abriu a porta, e lá estava Raulzito, fumando um cigarro, sentado na poltrona da sala...

- Caaaaaraaaaio maluco! - disse ele espantado

- Perai, perai...Quer tomar alguma coisa? Me fala...é verdade..é verdade que tu transforma água em vinho? chão em céu? cuspe em mel?

Raulzito foi até a geladeira, pegou sua garrafa de água e quando chegou a sua poltrona novamente, com o cigarro entre os lábios, lá estava o vinho. Terminou seu cigarro e como de costume, deu um cuspe no chão, e cinco minutos depois, formigas já atacavam o cuspe q tinha se transformado em mel...

Ele ficou realmente de cara...nunca poderia passar pela sua cabeça que algo daquele tipo iria acontecer com ele....não com ele, que tinha tido uma adolescencia boa, uma faculdade de merda...e agora estava ali...preso as coisas materiais da vida. Sua TV de plasma, seu nintendo wii e seu play 3, não deixavam ninguém se enganar, muito menos seu armário.

- Mas..mas..seu tu é minha consciencia...porque deu as caras só agora?

- Por que agora a coisa tá ficando russa, meu amigo! Tu tá realmente na merda. - disse Raulzito soltando a fumaça no rosto do rapaz...

- É cara, não é a minha melhor fase realmente...

- Olha só bixo, tu é praticamente um Al Capone, mas vê se te oriente né... Tô aqui pra te ajuda. Mas também não pensa que eu vo vim pra resolve tua vida assim fazendo PLUFT PLAFT ZUM...ai tu não vai a lugar nenhum

- Tá mas...o que que eu faço?

- É, na real tu deveria morre dependurado numa cruz e nasce de novo pra concerta tudo, mas isso só existe no gibi, então, vamos entrar pra história...E outra, se tu tivesse me perguntado isso a uns meses antes, a resposta era bem mais fácil. Agora tá foda mesmo. Ta indo de encontro ao azar mesmo.

- Negócio é o seguinte bixin. - disse Raul

- Tu já sabe que teve tudo e mais um pouco, desperdiçou tudo e mais muito e agora tá na merda..

- Tá tá, se for pra me xinga pode sumi já....nem minha mãe não fala mais isso...

- É, realmente, se nem tua mãe mais fala isso, no minimo tu deveria saber o que tu faz, pra EU não precisar de dizer isso. Tô vendo que essa noite vai ser longa....

- Sim, desembuxa logo, quero vê o que vai muda daqui pra frente...

- Eu não vô muda nada, te garanto, agora depende só de ti. Se tu quer que eu transforme chão em céu, tu vai lá pra cima agora e já era essa vidinha...queres? Lá tem cerveja barata, gente legal, gente louca, super chapadas e tem um som legal...é um lugar do caralho!

- Não não não não...quero conserta as coisas aqui primeiro.

- BINGO! Começamos pelo começo..... Valorize seus amigos, seus verdadeiros amigos. Sua família. Dê mais bola praquela menina que sempre vem falar contigo no msn. O mundo não está preocupado com sua auto-estima seja simpático com as pessoas mesmo nos teus dias ruins, elas não tem nada a ver com seu mau humor e não tem culpa nenhuma por isso. A vida não é facil, te acostuma com isso. Lá de cima, nós esperamos que tu faça alguma coisa útila para o mundo, antes de se sentir bem com vc mesmo. É de batalhas que se vive a vida, se nada disso der certo, tente outra vez!

E sumiu na fumaça do quarto.....

E ele ficou ali, com o vinho em cima da mesa, pensando...pensamento longe, um pouco menos angustiado, vivendo naquela sociedade alternativa que lhe foi imposta...

segunda-feira, novembro 03, 2008

A entrevista, o sorriso, e o escritor que mudaram meu dia

Sabem aquele gordo mal-educado da agência de empregos, do penúltimo post? Pois é, apesar do cara ser um chato e não ter gostado do meu currículo, mandou minha indicação para aquela clínica, e numa sexta-feira chuvosa, uma tal de Janete me ligou e pediu se eu gostaria de fazer uma entrevista na clínica dela.

Havia um porém, que o gordinho sabichão não tinha me informado: trabalhar em finais de semana.

O meu grande problema, é que em todos os meus empregos, tive que trabalhar em finais de semana. Foram alguns sábados e domingos que duraram uma eternidade, por eu estar completamente seqüelado ou simplesmente por ser sábado e domingo. Não sou religioso, mas gosto daquela história de dias de descanso. Principalmente, unindo o dia sagrado dos judeus(sábado) e dos cristãos (domingo).

Tudo bem. Tem aquela história de "hoje em dia não é fácil arranjar um emprego" ou "tá todo mundo na merda", mas que se fôda, gostaria de um pouco de paz. Mas disse à mulher que eu iria na entrevista, segunda-feira às 14 horas. E fiquei o final de semana inteiro matutando esse negócio de emprego na minha cabeça.

Outro grande problema, é que pelos horários, eu nem poderia voltar para casa dos meus velhos, em Nova Petrópolis. Conseqüentemente, não poderia ver minha namorada nem meus amigos, e teria que encarar uma mudança de cidade, um novo emprego, e tudo isso, sozinho.

Segunda-feira eu estava lá, na frente do HPS em Porto Alegre, procurando a tal da clínica. Dobrei algumas ruas e cheguei onde eu queria. Subi, me identifiquei, e me deixaram sentado uma meia hora numa salinha de reuniões estranha.

- Pode se servir de café, a Janete já vem - um cara me disse

- Não, obrigado.

E pior que eu queria tomar um café, mas não sei porque disse que não. Aí fiquei aquela meia hora, olhando pra cafeteira e pensando se eu pegava ou não o café, e desisti. Minha conclusão foi interessante. Porque por telefone eu havia dito que não fumava(também não sei porque diabos eu disse isso!), então não fumei antes da entrevista, e café me dá uma puta vontade de fumar. A tal da Janete entrou na sala.

Nunca tive muitas entrevistas na vida, mas creio que todas são ridicularmente iguais. Ficamos ali uns 5 minutos, falamos sobre o que eu já tinha feito da vida, até que ela falou sobre trabalhar em finais de semana. Tentei negociar. "posso fazer algumas horas nas duas manhãs livres que eu tenho", esse tipo de coisa. Ela disse que não. Eu disse que então não gostaria de concorrer o emprego. Pedi desculpas por fazer ela perder seu tempo, saí dali e acendi um cigarro. A entrevista mais rápida de todos os tempos. Foda-se.

Voltei para o centro, e eram 3 horas da tarde. Eu iria dormir no apartamento do Êdo, mas ele chegava só as 6. O Matias chegava as 4:30, então resolvi ficar vadiando pela Andradas, ver se achava algo interessante.

Pra ser bem sincero, aquela uma hora e meia que fiquei esperando, foi extremamente interessante. Um grupo de indígenas de origem norte-americana, estava tocando uma música muito divertida, com flautas,chocalhos, e gritos. Fiquei ali. Foi quando vi um cara que me chamou atenção. Ele era mendigo, e devia ter uns 30 e poucos anos. Ele falava sozinho e corria atrás de uma pessoa imaginária. Achei uma ótima cena. Ele dançava ao som daquela música, girava, e cantava e sorria. Um sorriso que há tempos eu não enxergava no rosto de ninguém. Um sorriso tão puro quanto o de uma criança. Ele estava mal vestido, devia estar com fome, e nem devia ter uma casa pra ir. Mas ele sorria, e aquele sorriso puro e sincero transformou meu dia. Fiquei com vontade de ser livre como ele, de ter a loucura dele, de ter aquele sorriso todos os dias e de ver mais pessoas sorrindo daquele jeito.

Fui então à Casa de Cultura Mário Quintana, que para o meu azar, estava fechada. "não abrimos nas segundas-feiras", dizia a placa na entrada. Sentei ali mesmo, num degrau, abri um livro e comecei a ler.

Gosto de sentar em locais como esses para ler, e essa atitude me trouxe outra situação interessante daquele dia. Percebi a sombra de um cara na minha frente:

- eai rapaz. percebi que tu estás sentado aí, lendo. eu sou escritor. tenho alguns livros publicados, alguns patrocínios, e vou deixar o meu livro aí pra ti.

Vou ser bem sincero, ao dizer que primeiramente não assimilei aquelas palavras. Achei que era mais um cara tentando vender algo nas ruas de Porto Alegre.

- tu tá me dando o livro?

- sim, dá uma lida e se gostar, divulga ele. vou estar na feira do livro de POA também, então...

Ele foi embora e eu fiquei ali, com aquele livro na mão. Dei uma folhada e senti mais uma vez uma sensação agradável. Foi um gesto legal, daquele escritor. Poucas pessoas fariam isso, poucas pessoas se interessariam para mais um cara sentado no degrau da casa de cultura, lendo o livro.

Foram essas pequenas coisas, que me alegraram naquele dia. Não vou esquecer tão cedo o sorriso do jovem mendigo, ou do escritor que me deu um livro.

A propósito, troquei e-mails com o tal escritor, que se chama Sérgio:

1º email:

"olá sérgio!
meu nome é André, e estava sentado na Casa de Cultura MQ, lendo Bukowski, quando tu me destes o teu livro.apreciei muito teu gesto, tanto que fiquei confuso naquele momento. da mesma forma, apreciei muito a leitura do teu livro. "li numa sentada", como diz a dona Seleni, minha mãe.tenho um blog, onde escrevo com um amigo..se um dia estiver sem nada para fazer..e quiser dar uma lida: http://nikieseubone.blogspot.com/ meu nick é escritor da zona(não me pergunte porque.longa história. mas existe uma explicação plausível, acredite!!!)não somos profissionais, mas as vezes escrevemos coisas boas!!!e cara, admiro muito os escritores de hoje em dia....a coisa está ficando complicada. as pessoas só querem "auto"- ajuda, super interessante e a bíblia. parabéns!acompanharei teu trabalho.abraços. "

resposta:

"Aí, André.
Valeu o teu contato, cara.Certamente eu tenho a obrigação de fazer uma crônica daquela cena, tu sentado no chão da Casa de Cultura lendo... Bukowski. Para mim, ele é o cara e quem o lê, também.A tua visão naquele momento parecia um filme de Fellini, Bergman ou algo melhor.Meu velho me desculpa eventuais erros nos textos, pois para enfrentar essa porra toda eu não tive revisor. Tive patrocínio mas não tive revisor (dei um 71 neles).Vou visitar teu blog, sim.Espero te "pechar" por aí.Um abraço forte doSérgio."

3º e-mail:

"Pô, legal que tu aproveitaste esse momento também. Eu acho que existem alguns pequenos momentos como esses, que nos diferenciam uns dos outros. Essas pessoas, essas palavras, esses gestos. Legal mesmo. Vou te passar, o trecho do livro Notas de um velho safado, que eu estava lendo naquela EXATO momento:

"- o que mais pode ser o amor?
- o senso comum de querer muito alguma coisa muito boa. não se precisa estar relacionado por laços de sangue. pode ser uma bola de praia vermelha ou uma fatia de torrada com manteiga.
- você está querendo dizer que você pode AMAR uma fatia de torrada com manteiga?
- somente algumas, senhor. em determinadas manhãs. sob determinados raios de sol. o amor chega e vai embora sem avisar.
- é possível amar um ser humano?
- é claro, especialmente se você não os conhece muito bem. eu gosto de olhar pra eles através da minha janela, caminhando na rua.
- Stirkoff, você é um covarde?
- é claro, senhor.
- qual é a sua definição de covarde?
- um homem que pensaria duas vezes antes de lutar com um leão com as mãos nuas.
- e qual é a sua definição de um homem corajoso?
- um homem que não sabe o que é um leão.
- qualquer homem sabe o que é um leão.
- qualquer homem pensa que sabe.
- e qual a sua definição de um tolo?
- um homem que não se dá conta que o Tempo, a Estrutura e a Carne em sua maior parte se desgastam"
Cara, quanto aos erros, nem reparei em muitos. Nem sei se lembro de algum, na verdade. Não é o tipo de coisa que procuro nos livros. Desde que eu tire alguma conclusão interessante sobre o que estou lendo, está bom.Sem ofender, mas tu ficarias incomodado se eu escrevesse no meu blog um texto sobre isso também? Já tinha pensado em escrever algo sobre você ter me dado o livro
Bem, talvez nos "pechamos" por aí..vai saber..com esse mundo louco
abraço.
André"

Bem, como vocês podem ver, ele disse que não havia problema em contar a história no blog, mas espero a crônica dele sobre a visão dele daquele dia.

O livro é realmente muito legal, e o blog dele é www.cronicasdosergio.blogspot.com . Se alguém que me conhece quer o livro emprestado, tudo bem também.

Em relação a empregos, bem, ainda não arranjei nenhum. Mas não tem problema. É só fechar os olhos, e me lembrar do sorriso que eu vi no rosto daquele homem, que eu percebo que não é preciso muito para ser feliz.